Um dos cinco filhos amados: não dá pra contar a história de um sem contar a história do outro
Infância
Pedro é um dos cinco filhos de Catarina Ferreira, nasceu de parto normal, com 2,6kg, aos sete meses e quinze dias de uma gestação prematura, no dia 28 de agosto de 1997, quase no aniversário do pai e a um ano de distância de um dos irmãos mais próximos. Mesmo com a rapidez da vinda ao mundo, teve que aguardar para conhecer a casa, pois a eclâmpsia no parto fez com que ele precisasse ficar quatro dias no hospital, isso por causa do susto de um cachorro bravo que trouxe alterações na pressão da mãe e provocou o nascimento prematuro.
A união e a proximidade com os irmãos são coisas que se destacam nas recordações da família. Tudo era herdado de uns pelos outros: berço, fralda, carrinho e brinquedos. Na escola, as crianças estavam sempre juntas sob o olhar atento da avó que era a merendeira e também chamada de mãe pelos netos.
A mãe Catarina orgulha-se de que a paixão pela percussão foi passada dela para seus filhos e acredita que essas coisas vêm do sangue: ele começou a se aproximar dos instrumentos ainda na infância, e na adolescência já tocava perfeitamente. O interesse das crianças pela percussão encontrou vazão quando começaram a frequentar a Igreja Adventista ao lado da casa da avó: Netinho, Pedro e o filho mais novo, com 10, 9 e 7 anos, respectivamente, cresceram na banda de fanfarra da Igreja, apesar de nem todos terem idade para tal.
Adolescência
Pedro foi profundamente fisgado pela morte do irmão Netinho, que não resistiu às complicações causadas pelo câncer. Suas noites eram inquietas, tomadas pela insônia causada pela falta. Revirava-se na rede sem conseguir dormir, pois a rede ao lado estava vazia.
Certa noite, deu 22 horas e Pedrinho ainda não havia voltado para casa. Após Catarina procurar o filho pela vizinhança, algumas amigas próximas disseram que ele estava sentado no banco da praça e havia dito que de lá não sairia. Catarina seguiu pelas ruas noturnas do Curió em busca do filho: encontrou-o chorando e dizendo que ficaria ali até sua dor passar.
Pedrinho faria 18 anos em breve e pediu para que a mãe fizesse um bolinho para comemorar. Catarina refletiu se deveria realizar a festa depois da morte do filho, mas diz: “Deus tocou em meu coração, e ela acabou aceitando”.
No dia do aniversário, Catarina ficou surpresa com a dimensão que a festa tomou: Pedrinho havia reunido cerca de 160 pessoas para o festejo. Depois de muito tempo, Catarina viu Pedrinho feliz novamente e sentiu que fazer a festa acontecer valeu a pena mas confessa, aos risos, ter caído no golpe de que era “só um bolim”.
Pedrinho estava sempre cercado de muitos amigos. Era comum eles levarem a televisão para a área, espalharem os colchões e jogarem playstation.
11 de novembro de 2015
Naquela noite comum de novembro, outros jovens se divertiam pelas ruas, tocando instrumentos, comendo pipocas, xilitos, pizza, bolo, sanduíche e tudo o que havia de mais gostoso no bairro. As conversas nas calçadas se misturavam com o som do violão.
Eram 23h42min quando Catarina falou com o filho pela última vez: Pedrinho, vem pra casa que já está muito tarde. O filho respondeu que já estava descendo. Um amigo do rapaz passou de moto e ofereceu carona por três vezes, mas Pedro recusou para ir a pé. Alguns minutos depois foi possível escutar a zoada dos tiros. Cinco meses e uma semana após a perda de Netinho, Catarina perdia seu segundo filho: desta vez vítima letal da violência policial.
As palavras da mãe acolhem a própria dor: “uma pessoa que é tão querida daquela forma não fica muito tempo, não. É impressionante! Na comunidade, até hoje, o Pedro é um menino bem visto, graças a Deus”.
Uma pessoa que é tão querida daquela forma não fica muito tempo, não. É impressionante! Na comunidade, até hoje, o Pedro é um menino bem visto, graças a Deus
De fato, os amigos dele seguem visitando a casa de Catarina para compartilhar lembranças. À época, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) divulgou para a imprensa que Pedro respondia processo por pensão alimentícia, mas a mãe explica que isso foi um grave equívoco, pois o garoto sequer tinha filhos, inclusive brinca, seu único “filho” era Curico, um gato manhoso que Pedrinho adotou e que era seu xodó.
Os instrumentos agora tocam nos ouvidos de Catarina remetendo a suas memórias com os meninos. Ela diz que desenvolveu um bloqueio para continuar tocando. Pedrinho tocou os instrumentos até o último ano de sua vida.
Resumo do texto que consta no livro Onze, organizado pelo Movimento de Mães e Familiares do Curió