Em memória de Jardel: Luta por justiça e memória
Jardel Lima dos Santos era um jovem de 17 anos que foi brutalmente assassinado na Chacina do Curió, em Fortaleza, Ceará, em 2015. Os pais de Jardel, Suderli Pereira de Lima e Antônio Sidnei dos Santos invocam o direito ao luto e à busca por justiça e memória para seu filho e para as demais vítimas dessa tragédia.
O texto evoca a importância de recordar e ressignificar a vida de Jardel, considerando a inversão trágica do ciclo natural das gerações, onde os pais se veem enterrando seus filhos em vez de ser o contrário.
Os pais de Jardel sentem a necessidade de reivindicar o reconhecimento da humanidade de seu filho, desmentindo as falsas acusações de envolvimento com o tráfico de drogas feitas por um policial em um programa de televisão.
“Eu vi na televisão um policial falando que aquilo tinha sido uma retaliação e que aquelas vítimas estariam envolvidas com o tráfico. Disse que era uma retaliação de um traficante que tinha sido morto não sei por onde. E eu, quando ouvi aquilo, me revoltei! Porque o policial disse com todas as palavras e todas as letras. Ele nem supôs: ele disse que era justamente desse traficante que tinha sido assassinado e que era retaliação. Na mesma hora, eu e meu esposo ligamos pra televisão pra ver uma entrevista. No mesmo dia que conseguimos marcar, tinha uma passeata no Cuca. Como Del era muito querido ali, nos chamaram pra passeata. Eles da TV disseram que iam para lá. (…) Eu parei, me identifiquei para o repórter e ele disse assim: “foi a senhora que ligou?”. “Sim. Sou a mãe do Jardel”. Ele perguntou: “a senhora quer fazer a entrevista onde?”. “Quero fazer dentro da minha casa” — porque ele tinha casa, tinha residência, um vínculo familiar!”, lembra a mãe Suderli.
Quando chegou à Delegacia de Homicídios pela primeira vez, Suderli entrevia o chamado ao fronte da luta para limpar o nome de Jardel, conforme afirmou para o delegado: o que eu vim dizer aqui é que meu filho — e eu posso falar por ele, eu o conheço! —, é que ele é inocente. O depoimento que aquele policial deu na TV, em relação ao meu filho, ele está completamente errado!
Essa fala ecoa em outras famílias que perderam seus afetos na Chacina do Curió e lutam por justiça — ainda um capítulo em aberto de suas vidas. As vozes das mulheres/mães/avós das vítimas dessa tragédia tornaram-se as vozes de seus filhos, a nos despertar para a significativa força política do luto e da memória coletiva dessas sujeitas diante de nossa sociedade hierárquica/ conservadora/autoritária e atravessada por históricas desigualdades sociais e raciais.
Infância
Jardel era um jovem alegre, carismático e sonhador, apaixonado por futebol e pela namorada. Ele tinha o sonho de se tornar bombeiro e cursava o primeiro ano do Ensino Médio em uma escola pública. A Chacina do Curió interrompeu prematuramente esses sonhos e projetos.
Jardel levava uma vida comum ao universo juvenil nas periferias — e, outrossim, ao de outros/as adolescentes e jovens: ele só queria viver! Era um apaixonado por futebol, pela namorada, pela família, pela vida. Um jovem cheio de sonhos e projetos, que lhes foram interditados nas esquinas violentas do presente!
Suderli e Sidnei conheceram-se no bairro onde residem até hoje. Sidnei veio do interior em busca de melhores condições de vida e trabalho. Tornaram-se vizinhos e começaram a namorar em 1989. Ela estava com 30 anos e ele com 27. Três anos depois, em 1992, casaram-se. Nesse período, Suderli trabalhava no comércio e Sidnei em empresa de segurança privada. Compraram a casa própria à prestação, em conjunto habitacional na periferia de Fortaleza. Lá viveu Jardel, desde seu nascimento em 26 de fevereiro de 1998.
Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida! Era um sonho que eu tinha: o de ser pai.
Sidnei – pai de Jardel
“Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida! Era um sonho que eu tinha: o de ser pai. Acompanhei a gravidez. Todo pré-natal dela, eu ia com ela. Era difícil ela ir só — só quando eu não pudesse. (…) O nascimento dele foi uma coisa espetacular! Foi a coisa mais esperada da minha vida, os meus amigos me dando parabéns. Aquela coisa de pai, mesmo!”, recorda o pai Sidnei.
Resumo do texto que consta no livro Onze, organizado pelo Movimento de Mães e Familiares do Curió