josé gilvan pinto barbosa

A história de amor de Ana e Gilvan

Gilvan e Ana eram um casal nascido em Itapajé. Tiveram um relacionamento curta e logo se separaram, se reencontrando alguns anos depois. Dessa relação tiveram uma filha que hoje tem 15 anos.

Atualmente, Ana mora com a filha em uma casa nova. A casa de hoje representa para ela um pedacinho do céu, como descreveu: um lugar de esperança, de paz, de descanso. Essa é a casa da nova vida de Ana e sua filha. 

Gilvan trabalhava muito e era uma pessoa alegre e de bem com a vida. Não reclamava das dificuldades — e sempre teve esperança em dias melhores. Quando o casal visitava a família no interior, Gilvan ficava feliz e adorava programar festas com a família. Ele adorava andar de motocicleta pelas ruas de Itapajé: ela ia na garupa e subiam e desciam a serra, circulando felizes pela cidade e sentindo o frescor do vento.

Ana lembra que no aniversário de 40 anos do marido, ela e a família prepararam uma festa-surpresa para ele. Muitos amigos e familiares estiveram presentes: foi uma festança! Gilvan ficou muito feliz com a homenagem. Ele gostava de festas, de receber as pessoas em sua casa e de preparar os pratos nordestinos, que eram sua especialidade. Ana disse que ele fazia como ninguém uma panelada que era muito saborosa. Ele também cozinhava mão de vaca, buchada e gostosinho — um cuscuz com carne seca. 

[…] infelizmente esse sonho [de ser cozinheiro] foi interrompido por essa tragédia dos Onze. Uma coisa muito triste, que só em falar a gente fica com entalo na garganta. Daí, todos os sonhos foram interrompidos.

Ana – esposa de Gilvan

Ela conta que o grande sonho dele era trabalhar como cozinheiro, mas infelizmente esse sonho foi interrompido por essa tragédia dos Onze. Uma coisa muito triste, que só em falar a gente fica com entalo na garganta. Daí, todos os sonhos foram interrompidos.

A filha de Ana e Gilvan gosta de cozinhar. Eles adoravam cozinhar juntos. Ela se emociona com essa lembrança e diz que fica feliz em reviver esse doce momento através dos quitutes preparados pela filha. E isso é uma memória muito forte de Ana: “o Gilvan como pai dava a vida pelos filhos. Ele era muito carinhoso, muito atencioso com os filhos. Tudo era para os filhos”.

Outra lembrança de Gilvan-pai enunciada por Ana era o seu gosto em tomar banho de chuva com a menina. Os dois se divertiam muito nesses momentos, que eram raros numa cidade quente e ensolarada como Fortaleza, mas que deixaram uma bonita recordação para ela. Junto, o casal viveu uma história que durou 19 anos — e foi tragicamente encerrada na madrugada de 11 para 12 de novembro de 2015, no Curió. 

A despedida de Gilvan e Ana

Ana relata a última lembrança que tem de Gilvan no dia de sua partida. Ele foi buscar a filha na escola e depois voltou para casa para preparar o jantar da família. O prato da noite foi carne moída. Ele cozinhou e serviu a esposa e a filha. Ana disse que Gilvan sempre comia por último, pois gostava de acompanhar a reação das pessoas ao degustarem o que tinha preparado. Elas adoraram a comida. Ele, feliz, tirou a filha pra uma dança comemorativa — e começaram a rodopiar pela sala da casa. Ana observou a felicidade do marido e sorriu feliz.

Depois desse jantar especial, um ritual que alimentou não somente o corpo como também a memória de quem viveu essa emoção, Gilvan saiu de casa e não voltou mais. Ana foi acordada com uma pessoa batendo em sua porta e dizendo que seu companheiro estava no hospital. Ela acordou atordoada e foi em busca dele para saber o que tinha acontecido. Uma busca dolorosa, na qual o encontro representou uma despedida: a despedida da história de Gilvan e Ana.

Diferente dos demais familiares da Chacina do Curió, Ana não perdeu um filho (não nesse evento, mas ela carrega em sua trajetória de vida a perda de seu filho Gabriel, que outrora foi assassinado — e, assim, ela também se aproxima das dores que carregam muitas mães das periferias brasileiras). 

Na escuridão de uma das noites mais trágicas da cidade de Fortaleza, Ana perdeu seu companheiro de vida, o pai de sua filha, o seu marido.

Na escuridão de uma das noites mais trágicas da cidade de Fortaleza, Ana perdeu seu companheiro de vida, o pai de sua filha, o seu marido. Viver o luto é um ritual de apreciação do tempo, de esperas e tentativas de conciliar a dor e a saudade

Ana não se calou. Ela forma, junto com outras mulheres, as vozes da periferia, vozes femininas que clamam por justiça, por tempos melhores e lutam para manter preservada a memória dos rapazes que violentamente tiveram suas vidas arrancadas deles e de seus círculos de afetos.  

Resumo do texto que consta no livro Onze, organizado pelo Movimento de Mães e Familiares do Curió